domingo, 20 de abril de 2008

Conceitos Teatrais - Método das acções físicas

Os actores pensavam poder organizar seu papel através das emoções e Stanislavski por muitos anos de sua vida pensou assim, de maneira emotiva. O velho Stanislavski descobriu verdades fundamentais e uma delas, essencial para o seu trabalho, é a de que a emoção é independente da vontade. Podemos tomar muitos exemplos da vida quotidiana. Não quero estar irritado com determinada situação mas estou.
Quero amar uma pessoa mas não posso amá-la, apaixono -me por uma pessoa contra a minha vontade, procuro a alegria e não a encontro, estou triste e não quero estar triste, mas estou. O que quero dizer vom tudo isso? Que as emoções são independentes da nossa vontade. Agora, podemos achar toda a força, toda a riqueza de emoções de um momento, também durante um ensaio, mas no dia seguinte isto não se apresenta porque as emoções são independentes da vontade. Esta é uma coisa realmente fundamental. Ao contrário, o que é que depende da nossa vontade? São as pequenas acções, pequenas nos elementos de comportamento, mas realmente as pequenas coisas - eu penso no canto dos olhos, a mão tem um certo ritmo, vejo minha mão com meus olhos, do lado dos meus olhos quando falo, a minha mão executa um certo andamento, procuro concentrar-me e não olhar para o grande movimento de leques (referência às pessoas que se "abanam" no auditório) e num certo ponto olho para certos rostos, isto é uma acção. Quando disse olho, identifico uma pessoa, não para vocês, mas para mim mesmo, porque eu a estou observando e me perguntando onde já a encontrei. Vejam a posição da cabeça e da mão mudou, porque fazemos sempre uma projecção da imagem no espaço; primeiro esta pessoa aqui, onde a encontrei, em qualquer lugar a encontrei, qualquer parte do espaço e agora capto o olhar de um outro que está interessado e entende que tudo isso são acções, são as pequenas acções que Stanislavski chamou de físicas. Para evitar a confusão com sentimento, deve ser formulável nas categorias físicas, para ser operativo. é nesse sentido que Stanislavski falou de acções físicas. Se pode dizer física justamente por indicar objectividade, quer dizer, que não é sugestivo, mas que se pode captar do exterior.

O que é preciso compreender logo, é o que não são acções físicas. As actividades não são acções físicas. As actividades no sentido de limpar o chão, lavar os pratos, fumar cachimbo, não são acções físicas, são actividades. Pessoas que pensam trabalhar sobre o método das acções físicas fazem sempre esta confusão. Muito frequentemente o director que diz trabalhar segundo as acções físicas manda lavar pratos e o chão. Mas a actividade pode se transformar em acção física. Por exemplo, se vocês me colocarem uma pergunta muito embaraçosa, que é quase sempre a regra, eu tenho que ganhar tempo. Começo então a preparar meu cachimbo de maneira muito "sólida". Neste momento vira acção física, porque isto me serve neste momento. Estou realmente muito ocupado em preparar o cachimbo, acender o fogo, assim DEPOIS posso responder à pergunta.

Outra confusão relativa às acções físicas, a de que as acções físicas são gestos. Os actores normalmente fazem muitos gestos pensando que este é o mistério. Existem gestos profissionais - como os do padre. Sempre assim, muito sacramentais. Isto são gestos, não acções. São pessoas nas situações de vida. Pois sobretudo nas situações de tensão, que exigem resposta imediata, ou ao contrário em situações positivas, de amor, por exemplo, também aqui se exige uma resposta imediata, não se fazem gestos nessas situações, mesmo que pareçam ser gestos. O actor que representa Romeu de maneira banal fará um gesto amoroso, mas o verdadeiro Romeu vai procurar outra coisa; de fora pode dar a impressão de ser a mesma coisa, mas é completamente diferente. Através da pesquisa dessa coisa quente, existe como que uma ponte, um canal entre dois seres, que não é mais físico.Neste momento Julieta é amante ou talvez uma mãe. Também isto, de fora, dá a impressão de ser qualquer coisa de igual, parecida, mas a verdadeira reacção é acção. O gesto do actor Romeu é artificial, é uma banalidade, um cliché ou simplesmente uma convenção, se representa a cara de amor assim. Vejam a mesma coisa com o cachimbo, que por si só é banal, transformando-a a partir do interior, através da intenção - nesta ponte viva, e a acção física não é mais um gesto.

O que é gesto se olharmos do exterior? Como reconhecer facilmente o gesto? O gesto é uma acção periférica do corpo, não nasce no interior do corpo, mas na periferia. Por exemplo, quando os camponeses cumprimentam as visitas, se são ainda ligados à vida tradicional, o movimento da mão começa dentro do corpo (Grotowski mostra), e os da cidade assim (mostra). Este é o gesto. Acção é alguma coisa mais, porque nasce no interior do corpo. Quase sempre o gesto encontra-se na periferia, nas "caras", nesta parte das mãos, nos pés, pois os gestos muito frequentemente não se originam na coluna vertebral. As acções, ao contrário, estão radicadas na coluna vertebral e habitam o corpo. O gesto de amor do actor sairá daqui, mas a acção, mesmo se exteriormente parecer igual será diversa, começa ou de qualquer parte do corpo onde existe um plexo ou da coluna vertebral, aqui estará na periferia só o final da acção. É preciso compreender que há uma grande diferença entre Sintomas e Signos/Símbolos. Existem pequenos impulsos do corpo que são Sintomas. Não são realmente dependentes da vontade, pelo menos não são conscientes - por exemplo, quando alguém enrubesce, é um Sintoma, mas quando faz um Símbolo de estar nervoso, este é um Símbolo (bate com o cachimbo na mesa). Todo o Teatro Oriental é baseado sobre os Símbolos trabalhados. Muito frequentemente na interpretação do actor estamos entre duas margens. Por exemplo, as pernas se movem quando estamos impacientes. Tudo isso está entre os Sintomas e Símbolos. Se isto é derivado e utilizado para um certo fim se transforma em uma acção.

Outra coisa é fazer a relação entre movimento e acção. O movimento, como na coreografia, não é acção física, mas cada acção física pode ser colocada em uma forma, em um ritmo, seria dizer que cada acção física, mesmo a mais simples, pode vir a ser uma estrutura, uma partícula de interpretação perfeitamente estruturada, organizada, ritmada. Do exterior, nos dois casos, estamos diante de uma coreografia. Mas no primeiro caso coreografia é somente movimento, e no segundo é o exterior de um ciclo de acções intencionais. Quer dizer que no segundo caso a coreografia é parida no fim, como a estruturação de reacções na vida.



De uma palestra proferida por Grotowski no Festival de Teatro de Santo Arcangelo (Itália), em Junho de 1988.

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